ARKIVÃO

ARKIVÃO - espaço para reunir o que vou escrevendo ao longo do tempo, e que se encontra espalhado por aí; arkitectura, referências a terra de origem, divagações disléxicas; tentativa de organização, mas sem critério e por vezes sem cronologia; organização anárKica, incompleta, de conversa da treta, assinada através de diversos pseudónimos.... mas nem tudo estará aqui. Anabela Quelhas

Friday, September 01, 2006

Favela ou musseque

Anabela
Parabéns pela iniciativa deste fio. Apesar do tema ser basicamente arquitetura, verifiquei que muito do que se escreveu tem mais a ver com urbanismo do que com arquitetura, se bem que as duas áreas sejam bem próximas.
Uma boa parte dos serviços de cartografia que minha empresa executa destinam-se exatamente a fins urbanisticos. Seja para projetos específicos na área de infra-estrutura ( distribuição de água, luz, esgoto, telefonia, etc. ) que exigem mapas de precisão, seja para fins de planos diretores de urbanismo.
Aliás, é nessa área que estou desenvolvendo iniciativas para, eventualmente, se tudo der certo, vir a trabalhar mais profundamente com Angola.
Começando pelos musseques ( aqui chamamos de favelas ) há muito, os urbanismas irradicaram a ideia que a solução seja irradicar a favela ( passe o trocadilho ).
Há um certo consenso de que a solução passa por métodos de urbanização ( arejamento ) e melhoria de padrão habitacional, mantendo-se as populações residentes.Aqui no Rio temos até participado de um projeto chamado de Favela-Bairro, que embute essa filosofia.
Acho que o caminho é esse, se bem que tem sido deveras prejudicado por razões envolvendo questões de segurança e banditismo.
Muitos dirão que banditismo e insegurança são questões que extrapolam o urbanismo. Discordo. É no urbanismo que eventualmente irão se encontrar soluções para questões sociais que têm reflexo na segurança.
Fernando Quelhas
Fernando:
Irradicar favela ou musseque, pode ser transferir população para zonas mais periféricas, instalá-las em edifícios de habitação social, totalmente desenquadrados do modo de viver desta gente; operação que agrada aos especuladores imobiliários, que vêem uma grande oportunidade de negócio nos terrenos desocupados - estamos cansados de operações deste género no mundo inteiro!
É necessário aproveitar as más e as boas experiências para construir dinâmicas urbanas planeadas e participadas, para servir de suporte à renovação do tecido urbano dos musseques e favelas, sem por em causa os interesses da maioria dos seu habitantes.
Oportunamente voltarei ao assunto.
Anabela
Anabela:
Há uns 10 anos participámos de um projeto que me presenteou com algum ensinamento.
No Ceará, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS, decidiu construir uma represa para projetos de irrigação.
Além de toda a parte topográfica e fotogramétrica destinada à identificação do perímetro de irrigação e questões técnicas de engenharia, o projeto envolvia uma área muito importante. É que uma cidade, acho que se chamava Castanhão, seria totalmente inundada e haveria que construir uma outra para o assentamento das famílias.
Para tal, em paralelo à escolha e trabalhos técnicos relativos à localização da nova cidade, efetuou-se um trabalho de cadastramento dos imóveis e das famílias que seriam desalojadas. Antes, era muito comum que este trabalho prescindisse questões de natureza social. O ênfase era meramente para o tecnicismo da construção. Achava-se que as famílias ficariam plenamente satisfeitas por receberem um imóvel novo, de qualidade e tamanho superior. Isto quando simplesmente não eram desalojadas e pronto.
Eis que neste caso, decidiu-se ir mais além na avaliação das motivações e desejos sociais, incluindo perguntas específicas no laudo cadastral.Para surpresa de todos, verificou-se que os moradores atribuiam muito mais importância a valores intangíveis do que aos materiais. A grande preocupação, não era quanto ao tamanho da sala ou da cozinha. Era se continuaria ou não sendo vizinha ( curiosamente eram as mulheres quem mais colocavam estas questões ) da comadre tal. Se continuaria tendo vista para a Igrejinha, etc. As maiores perdas sentidas não se referiam a quartos, mas sim à perda da sombra da árvore em que brincaram quando crianças. Se teriam novo coreto na pracinha. No fundo queriam que as tradições fossem o menos afetadas possível.
Enfim. É importantíssimo que quaisquer acções sobre populações atendam, na medida do possível, a aspectos de natureza psicológica e social da população.
Projetos que visem a simples irradicação, construindo-se prédios bem longe, serão mais de natureza cosmética. Serão um pouco como jogar o lixo debaixo do tapete, preocupando-se com a simples aparência sem resolver, de facto, a questão. Estes projetos estarão sempre condenados ao fracasso.
Fernando Quelhas
Editado em www.sanzalangola.com em 16/01/06

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