Anabela
Parabéns pela iniciativa deste fio. Apesar do tema ser basicamente arquitetura, verifiquei que muito do que se escreveu tem mais a ver com urbanismo do que com arquitetura, se bem que as duas áreas sejam bem próximas.
Uma boa parte dos serviços de cartografia que minha empresa executa destinam-se exatamente a fins urbanisticos. Seja para projetos específicos na área de infra-estrutura ( distribuição de água, luz, esgoto, telefonia, etc. ) que exigem mapas de precisão, seja para fins de planos diretores de urbanismo.
Aliás, é nessa área que estou desenvolvendo iniciativas para, eventualmente, se tudo der certo, vir a trabalhar mais profundamente com Angola.
Começando pelos musseques ( aqui chamamos de favelas ) há muito, os urbanismas irradicaram a ideia que a solução seja irradicar a favela ( passe o trocadilho ).
Há um certo consenso de que a solução passa por métodos de urbanização ( arejamento ) e melhoria de padrão habitacional, mantendo-se as populações residentes.Aqui no Rio temos até participado de um projeto chamado de Favela-Bairro, que embute essa filosofia.
Acho que o caminho é esse, se bem que tem sido deveras prejudicado por razões envolvendo questões de segurança e banditismo.
Muitos dirão que banditismo e insegurança são questões que extrapolam o urbanismo. Discordo. É no urbanismo que eventualmente irão se encontrar soluções para questões sociais que têm reflexo na segurança.
Fernando Quelhas
Fernando:
Irradicar favela ou musseque, pode ser transferir população para zonas mais periféricas, instalá-las em edifícios de habitação social, totalmente desenquadrados do modo de viver desta gente; operação que agrada aos especuladores imobiliários, que vêem uma grande oportunidade de negócio nos terrenos desocupados - estamos cansados de operações deste género no mundo inteiro!
É necessário aproveitar as más e as boas experiências para construir dinâmicas urbanas planeadas e participadas, para servir de suporte à renovação do tecido urbano dos musseques e favelas, sem por em causa os interesses da maioria dos seu habitantes.
Oportunamente voltarei ao assunto.
Anabela
Anabela:
Há uns 10 anos participámos de um projeto que me presenteou com algum ensinamento.
No Ceará, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS, decidiu construir uma represa para projetos de irrigação.
Além de toda a parte topográfica e fotogramétrica destinada à identificação do perímetro de irrigação e questões técnicas de engenharia, o projeto envolvia uma área muito importante. É que uma cidade, acho que se chamava Castanhão, seria totalmente inundada e haveria que construir uma outra para o assentamento das famílias.
Para tal, em paralelo à escolha e trabalhos técnicos relativos à localização da nova cidade, efetuou-se um trabalho de cadastramento dos imóveis e das famílias que seriam desalojadas. Antes, era muito comum que este trabalho prescindisse questões de natureza social. O ênfase era meramente para o tecnicismo da construção. Achava-se que as famílias ficariam plenamente satisfeitas por receberem um imóvel novo, de qualidade e tamanho superior. Isto quando simplesmente não eram desalojadas e pronto.
Eis que neste caso, decidiu-se ir mais além na avaliação das motivações e desejos sociais, incluindo perguntas específicas no laudo cadastral.Para surpresa de todos, verificou-se que os moradores atribuiam muito mais importância a valores intangíveis do que aos materiais. A grande preocupação, não era quanto ao tamanho da sala ou da cozinha. Era se continuaria ou não sendo vizinha ( curiosamente eram as mulheres quem mais colocavam estas questões ) da comadre tal. Se continuaria tendo vista para a Igrejinha, etc. As maiores perdas sentidas não se referiam a quartos, mas sim à perda da sombra da árvore em que brincaram quando crianças. Se teriam novo coreto na pracinha. No fundo queriam que as tradições fossem o menos afetadas possível.
Enfim. É importantíssimo que quaisquer acções sobre populações atendam, na medida do possível, a aspectos de natureza psicológica e social da população.
Projetos que visem a simples irradicação, construindo-se prédios bem longe, serão mais de natureza cosmética. Serão um pouco como jogar o lixo debaixo do tapete, preocupando-se com a simples aparência sem resolver, de facto, a questão. Estes projetos estarão sempre condenados ao fracasso.
Fernando Quelhas
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