ARKIVÃO

ARKIVÃO - espaço para reunir o que vou escrevendo ao longo do tempo, e que se encontra espalhado por aí; arkitectura, referências a terra de origem, divagações disléxicas; tentativa de organização, mas sem critério e por vezes sem cronologia; organização anárKica, incompleta, de conversa da treta, assinada através de diversos pseudónimos.... mas nem tudo estará aqui. Anabela Quelhas

Saturday, December 16, 2006

Inferno colonial (final)

Texto publicado em www.sanzalangola.com depois de muita perturbação causada durante uma semana pelas minhas intervenções.
Quis tomar o pulso da sanzala, com este fio infernal, certamente desconfortável e polémico... mas que tem tudo a ver connosco, diz-nos respeito!
Cumpri esse propósito e como era minha intenção, não o vou prolongar no tempo.
Alguns sanzaleiros ficaram chocados e impressionados, tal como eu, quando li de forma ininterrupta o trabalho de investigação de Ana Barradas, editado em 1995; não por desconhecimento da maioria dos factos, mas pela forma como efectuei a leitura.
Arriscaria a dizer que o tema foi apresentado pela investigadora, de forma até ligeiríssima, no entanto, talvez porque nos é dado ler, estratos de documentos, "a seco", sem explicações pelo meio, sem contextualizar rigorosamente os assuntos, sem pausas, numa cadência cronológica vertiginosa, começando no século XV e terminando no séc. XX, sensibiliza-nos profundamente, dá-nos um abanão e choca-nos!
Quem conhecer minimamente a nossa história, integra perfeitamente estes relatos na época própria, dispensando-se quaisquer outros comentários.
A sucessão rápida de registos curtos, despidos de qualquer roupagem atenuante, referida sistematicamente a fonte, em roda-pé,... que nós conseguimos abarcar na totalidade, em poucas horas de horas de leitura, reforça a crueldade dos temas - escravatura, racismo, colonização, trabalho forçado, subversão de valores, massacres, comércio negreiro, opressão, violência...- foi esse ritmo e essa cadência silenciosa que eu quis partilhar convosco, e claro observar as reacções de cada um, adivinhando algum confrangimento por que passaram, tentando compreender os vossos argumentos, interligando e fazendo comparações com outros relatos e com outros discursos!
Não me atreveria a abrir este fio, se não estivesse devidamente documentada. O livro de Ana Barradas fornece dados capazes de formar uma listagem de documentos que poderão ser consultados sobre este assunto, e o curioso é que a maioria dos documentos são da autoria de figuras ilustres, e alguns responsáveis pelo Império Colonial Português.
Aqui não se inventa nada! (*Ver no final, alguns)
O fio foi aberto num domingo às 23,49 (3/09/2006).
No dia seguinte após dez horas, já mais de 100 sanzaleiros o tinham visitado. Ao fim de uma semana, o fio já estava bastante deturpado, pois alguns membros repetem aquele espectáculo triste que nos vão habituando a ler.
No meu texto de abertura, fui clara, dizendo que não iria dialogar com ninguém, mas não me livrei de ser gentilmente apelidada de demagoga, prepotente e cobarde (perfeitamente previsível), atreveram-se até a pensar por mim e deduzir quais seriam as minhas intenções... tudo isto por usufruir respeitosamente de um direito que me assiste - só dialogar quando quero e sempre respeitando os outros.
A maioria dos sanzaleiros compreendeu a minha atitude silenciosa e respeitou-a. Alguns que me conhecem, facilmente perceberam que dentro do meu silêncio eu estaria atentíssima a reflectir sobre tudo.
Em off, iam-me chegando mensagens do tipo "Onde tu te foste meter!!!!", "Cada vez deitas mais lenha para a fogueira", "Esse fio não dura uma semana", "És doida!... SÒ TU!", "Onde é que isto vai parar? Depois queixa-te!".
Limitei-me ao meu papel de receptora, criando-me um sorriso nos lábios, a preocupação destes amigos.
Alguns, revelaram uma certa falta de paciência, pelo enfoque dado por mim a este tema, como se inoportuno se tratasse, exagerado, desenquadrado, desactualizado ou de 2ª grandeza. Outros tentaram justificar a crueldade com outras crueldades, a violência com outras violências, os erros de uns com os erros dos outros, como se o mal dos outros devesse ser o meu contentamento, manifestando subtilmente alguma irritação crescente, completamente descabida. Complacência, condescendência...em me ler, enfim... para mim nunca é demais falar/escrever sobre Direitos Humanos e denunciar atrocidades!
Não estará na hora de desmistificar a nossa história europeia feita de, conquistadores, navegadores, exploradores, missionários, aventureiros que nos enchem de orgulho, de tão exaltados que são?
Afinal de que é feito o perfil dos nossos heróis? Este foi um assunto proibido ao longo do tempo, e ainda hoje, nas nossas escolas, este lado tenebroso da história é poucas vezes denunciado, sendo frequentemente camuflado e esquecido; no entanto nós, mulheres e homens adultos, do alto da sabedoria que a maturidade nos confere, não seremos capazes de reconhecer as fragilidades do nosso passado?Nós, os descendestes de portugueses, não estamos sozinhos! Quantos arquivos fechados e de acesso interdito, existem, por essa Europa fora? Arquivos feitos da nossa história sombria! Londres, Vaticano, Viena, Paris, Berlim...
Tive que ignorar ironias infelizes, tratamentos despropositada e exageradamente "familiares", como "camarada", editadas sobre este assunto de importância maior, que ilustram bem o grau de tolerância e respeito que aqui vigora.
O feed back que me chegou através de canais de comunicação alternativos, foi francamente mais positivo. Mais uma vez se constata que há gente muito interessante e de muito valor a circular por aqui, mesmo que divergindo de mim, porém não pretende expor-se a diálogos, que por vezes desaguam no desrespeito e na agressividade, atrever-me-ia a chamar-lhes, diálogos makeiros , tão frequentes aqui nesta nossa sanzala. Todos souberam respeitar-me e certamente reflectiram sobre a violência de que a nossa civilização tem sido fabricada.
Constatei que alguns angolanos desconheciam estes documentos, ignorando o lado menos bom da nossa herança cultural, apesar de possuírem sinais de suspeição da dita.
Dizem que "da discussão nasce a luz", e alguns acrescentam, "... e a pancadaria". Aqui nesta nossa sanzala, nasce mais pancadaria virtual do que luz. É muito cómodo alimentar guerrinhas, confortavelmente sentado ao PC, jogar com as palavras, presumir, montar estratégicas do contraditório, investir na retórica de nível duvidoso, na agressão gratuita, alimentar o ego com as contradições dos outros, enfim ... libertar o stress desta nossa vida cinzenta... Há quem goste duma makinha e aproveite todos os temas para atirar com as munições sobrantes de makinhas vindas não sei de onde! Assim não há diálogo que resista, provavelmente é isso que se pretende.
Não lamento o facto de não me ter envolvido directamente no bate boca!!! Tinha que assumir uma postura silenciosa, para que o fio sobrevivesse alguns dias, pois simplesmente ler, acabou por ser uma acção difícil.
Verifico, que estes temas ainda incomodam, fazendo perder as estribeiras a alguns sanzaleiros (vá-se lá saber porque!!!??), preferindo outros, ignorá-los, maldizendo quem insiste em recordar o sofrimento de tantos seres humanos. Quero crer que serão uma minoria nesta sanzala.
Referi no meu "aviso prévio" que não tinha como objectivo "a penitência", preocupando-me em utilizar a 1ª pessoa do plural, para evitar que ocorressem interpretações de que eu não me incluiria no grande grupo de herdeiros. Nunca pretendi atingir ninguém, limitei-me a transcrever relatos de uma realidade que eu não inventei, mas de difícil digestão para todos.
Esta temática deverá unir os homens e nunca dividi-los!
Conclusões (as minhas, óbvio ):
- As pessoas manifestaram interesse pelo tema: em dez dias o fio teve perto de 2440 visitas
- O tema incomóda de facto!.
- A maioria não pretende expor-se a este género de diálogo, recorrendo com frequência a canais de comunicação alternativos.
- Não houve um único membro que se assumisse a favor da escravatura e da exploração colonial - afinal o tema une? (nem sei para que é tanta maka!).
- Algumas pessoas jogam constantemente à defesa, preocupadas apenas em defender o seu ponto de vista, que invariavelmente desagua no processo de descolonização.
- Há quem tenha dificuldade em se abstrair da sua história pessoal, para melhor analisar alguns temas, de forma imparcial e racional - o coração a tentar dominar a razão.
- Há um grande desconhecimento da nossa história.
- Alguns ainda não perceberam que nesta sanzala, cada membro tem a liberdade de escolher os temas para os seus fios.
- Alguns insistem em utilizar a ironia, de forma saudável e agradável, outros de profundo mau gosto, tangenciam a cretinice.
- Os moderadores não têm que ser totós, devem ter opinião própria, mas os seus comentários públicos devem ser racionais, inteligentes, contidos, por forma a evitar que, as posições dos membros intervenientes se extremem. Afinal os moderadores deverão servir para moderar.
- Alguns membros têm o especial prazer de abandalhar os fios por onde passam utilizando a técnica do achincalhamento gratuíto e dos subentendidos.
- Alguns entram nos fios como se entrassem no campo de batalha. Esgrimem ódiozinhos antigos e alimentam-nos.
- Outros estão mais na linha da "Paz e amor" ou "Não se fala porque é pecado", não suportando as divergências saudáveis entre sanzaleiros.
- Alguns não sobrevivem sem as citações, utilizando-as para reforçar e acentuar as divergências.
- Uns desvalorizam os adversários, outros sobrevalorizam-os...
- Alguns esquecem-se que certas "familiaridades" só são permitidas entre sanzaleiros que se conhecem na vida real.
- Alguns esquecem-se que, editar a cor vermelha é ofensivo.
- Alguns chamam-lhe luto, eu chamo-lhe reflexão (prática que tento desenvolver em continuidade).
- Alguns desconhecem que as bibliotecas públicas, são mesmo públicas, e a informação está lá disponível para todos, actualizada ou não, mas fidedigna.
- Alguns desconhecem a verdade histórica, não a querem conhecer, e nem querem que os outros a conheçam ou divulguem.
- Há uns que são tolerantes, há outros que se "xateiam à brava"; há aqueles que não resistem a uma provocação. Há os teimosos e os bem-humorados.
- Ao fim de 10 dias de "inferno", este fio está com tendência a transformar-se em arena romana.
- Consegui por a sanzala a reflectir!...
- Há um membro, que insiste naquela foto no avatar (LOLOL).
E ASSIM VAI A NOSSA SANZALA!
Obrigada a todos, pelo vosso interesse e paciência. Um agradecimento especial, àqueles que incluíram neste fio, outras escravaturas, outras violências e outros colonialismos, que nos estão mais próximos no tempo, pois todos devem ser divulgadas e ser motivo de reflexão. Até os esclarecimentos antropológicos levei em consideração; gostei de saber do Ardipithecus ramidus - serei sempre solidária com os mais fracos e oprimidos, caminhem ou não sobre duas pernas. Gostei de vos ler, a todos! Termino com uma pequena parte da introdução do trabalho referido anteriormente:
"Afirmam alguns: aquilo que hoje nos horroriza eram coisas normais naquele tempo, e a essa luz devem ser analisadas. Seria pois descabido olhar com os olhos de hoje esses fenómenos, acontecidos num mundo bem mais selvagem do que o de hoje.
É um ponto de vista tranquilizador para os descendentes dos que iniciaram no séc. XVI o inferno colonialista. Mas e os outros? Seria assim natural para o escravo ser arrebatado da sua terra e levado para outro mundo completamente desconhecido, para servir e sofrer até ao fim da vida? Seria muito natural estarem, países, cidades, campos e regiões sem defesa, ou em inferioridade bélica, e serem subjugados a ferro e fogo, obrigados a produzir para um inimigo inclemente, se por acaso escapassem ao genocídio? Como contaríamos hoje a história desses tempos se tivessem sido as nossas cidades pilhadas e os nossos avós levados como escravos para o outro lado do mundo?" Ministros da Noite, Livro Negro da expansão portuguesa.
Nada justifica a violência muito menos a barbárie! (Creio que estaremos todos de acordo! Será?)
Sr. Administrador, ponho à sua consideração o encerramento deste fio, pois quanto a mim já se cumpriu no tempo devido, valeu como um despertar das consciências. Talvez valha a pena reabri-lo mais tarde, quando os ânimos estiverem mais calmos.
Sempre a considerar-vos.
Anabela Quelhas (Osíris)
Listagem de alguns autores dos documentos:
" D. Francisco de Almeida" - Vice-Rei da Índia
"Gomes Eanes de Zurara" - cronista do reino
"D Francisco de Sousa Coutinho" - Governador de Angola
"João Álvares" - Jesuíta
" Henrique Paiva Couceiro" - Governador de Angola
"Gaspar Correia" - cronista
" Fernando de Oliveira" - Padre
" Duarte Pacheco Pereira" - navegador
" Diogo do Couto" - historiador
" Duarte Barbosa" - escritor
" Manuel da Nóbrega"- padre
" Padre António Vieira" - missionário
" António de Melo e Castro "- Vice-Rei da Índia
" D. Pedro de Almeida" - Vice-Rei da India
" Mouzinho de Albuquerque "- Militar em Chaimite
" Armindo Monteiro" - Ministro das Colónias
" José Cabral" - Governador de Angola
" Barjona de Freitas" - Governador de Cabo Verde
" Augusto Casimiro" - Governador do Congo Português
" Oliveira Martins - historiador
" Franco Nogueira" - ministro do Estado Novo
" Norton de Matos" - Governador de Angola
" M. Tenreiro Carneiro" - Vereador da Câmara de Moçamedes
" Sebastião Soares de Resende" - Bispo da Beira
" General Carrasco "- comandante chefe do exercito português em Moçambique
" Alves Roçadas "- general
" Kaulza de Arriaga" - general
" António de Spínola" - general do exército português
" Marcelo Caetano" - Ministro do Conselho
" Adriano Moreira" - Ministro do Ultramar
" Oliveira Salazar" - Ministro do Conselho

Wednesday, December 06, 2006

INFERNO COLONIAL (cont)


"Aos pretos de Angola fiz sempre sentir que não admitia nem a desordem, nem vadiagem, nem a falta de respeito aos brancos." (Norton de Matos, "Memórias e trabalhos da minha vida", III vol., 1944) "Devemos organizar cada vez mais eficazmente e melhorar a protecção das raças inferiores cujo chamamento à nossa civilização cristã é uma das concepções mais arrojadas e das mais altas obras da colonização portuguesa." (Salazar, 1933) " Na colonização, como no amor, tudo é grandioso ao começar" (Marcelo Caetano, 1947)
"(Os índios são) verdadeiros seres inumanos, bestas da floresta incapazes de compreender a fé católica (...) esquálidos selvagens em tudo menos na forma humana (...). Se os negros africanos podem ser escravizados, porque não os índios do Maranhão? (...) mesmo que muitos desses miseráveis se suicidassem de raiva como bárbaros."
(Proposta da Câmara do Pará apresentada a Sua Majestade por Paulo da Silva Nunes, procurador do estado do Maranhão, em 1724)
Publicado em www.sanzalangola.com em 12/09/06