ARKIVÃO

ARKIVÃO - espaço para reunir o que vou escrevendo ao longo do tempo, e que se encontra espalhado por aí; arkitectura, referências a terra de origem, divagações disléxicas; tentativa de organização, mas sem critério e por vezes sem cronologia; organização anárKica, incompleta, de conversa da treta, assinada através de diversos pseudónimos.... mas nem tudo estará aqui. Anabela Quelhas

Tuesday, October 24, 2006

Hoje acordei com as costelas a apertarem-se no peito...
leio o que escrevi,
Releio,
Não gostei,
Começo de novo.
Hoje acordei com o coração estrangulado pelas costelas,
Assim está melhor!
Bebo um copo de água,
pausa
Como se isto se solucionasse através do tubo digestivo,
encharcando o estómago com água pura.
Sorrio!
Me olho no espelho.
Cumprimento-me,
com um levantar de sobrancelha.
Não estou bem de todo!
Aproxima-te!
Aproximo-me do espelho e estabeleço diálogos pelo silêncio,
pois a minha imagem me entende sem eu falar,
apenas pela troca do olhar escancarado,
olhos nos olhos,
ela se apercebe que hoje me sinto incompleta.
E as costelas de facto se apertam dentro do peito,
De novo as costelas?
Fuma um drums e isso passa!
num movimento de acordeon,
indisposta para a vida!
Oh pá toma rennie ou o outro,
como é que é?
Kompensan
diz-me o espelho.
Esse espelho precisa de uma renovação estético-formal,
passou do ponto!
atrevido demais...
Indisposição mental,
raciocinaste péssimo!
Tás mal em silogismos!...
Cheguei a este areal
e vou aqui passar a noite deste meu dia.
Trouxe um cobertor,
arregacei os jeans,
cruzei a camisola ao pescoço,
vou caminhando sentindo a areia húmida nos pés
e juntando pedaços de madeira.
Abro os braços,
fecho os olhos
e respiro fundo
e em círculo.
Regresso ao sítio escolhido...
Abriste os braços deixaste cair a lenha e o cobertor,
desajeitada!
lololo
Ateio o fogo e faço uma fogueira...
É aqui mesmo que eu vou passar a noite!
Oscilar entre os dois gumes da vida,
o bem e o mal,
olhando o Zulmarinho
através das velaturas quentes das chamas...
e adivinhar-me a mim mesma,
do lado de lá
ou de cá mesmo.
Já o outro dissertava
entre o diabo e o bom Deus,
... tás cada vez menos original!
e procurar a causa primeira,
do aperto no peito.
Olálá!!!! Será que é o wonderbras?
Sorrio,
com os comentários idiotas que eu mesma faço.
Hoje não trouxe viola,
nem mp3.
Hoje a minha cabeça está a mil!
Ela própria forma uma orquestra,
melhor que uma music box!
nem preciso pedir,
nem arranjar moedas,
ela adivinha o que me agrada ouvir!
mas como tenho mesmo um aperto no peito,
e preciso de ouvir o som de batuques,
vou pedir um merengue por favor,
para eu olhar ortogonalmente ao céu negro,
imaginar o cruzeiro do sul
e me embalar no sonho,
dançando.
Obrigada!
Osíris

Saturday, October 14, 2006

GARAGEM DE PAI

Garagem de pai - território absolutamente masculino, último reduto das chaves de fenda e dos parafusos .
Este assunto, oscila entre dois grupos extremos: Os do grupo que passaram pelo Maio de 68, e pelo Woodstock numa perspectiva já de fato e gravata, e os outros que viveram as revoluções de boina ajeitada à Che, de punho no ar, aspirando eternamente a um 2 Cv. Ou então, o grupo que assistiu aos primeiros passos na lua, dados por Neil Armstrong, através dum móvel pick up, e os outros que se limitaram a utilizar o pequeno Philips ou Hitachi portátil, enquanto curtiam as ondas da ilha de Luanda.
A garagem à pai dos primeiros, é um espaço assumidamente organizado e limpo.
As latas dos popós, brilham de tanta cera de polimento, e os tabliers tem o aroma de aditivos perfumados de tratamento especial, que a mim têm a capacidade de provocar um bruto enjoo.
Há a cera protectora, polidora, cremosa, cristalizadora, autoshine, a acrílica a líquida, tudo alinhado, mais parecendo uma linha de cosméticos femininos. Ainda há os desodorizantes, os limpa vidros, o silicone, o shampoo, as espumas, os limpa pneus, os limpa plásticos, os limpa vinil (será a mesma coisa?), os protectores líquidos, os reparadores....
Não pode faltar uma colecção de camurças e flanelas cada uma com sua função... bem, estes tem tudo nos trinques, uma organização que reflecte as horas que passam ali encerrados, naquele mundo só deles.
Não se esqueçam da prateleira dos alarmes, kits de luzes, censores, manómetros, buzinas,...
Neste grupo ainda existem aqueles que tem uma frustração mal resolvida, da fase da juventude, quando todo o mundo colava posters do jimi hendrix e melanies à parede. As paredes das garagens á pai , são recheadas de quanto acessório há no Mestre Mako e Merlin que ajude a organização (adoro os quadros de anilhas), intervalados por caixilhos das lojas dos trezentos com ídolos das 2 ou 4 rodas. Não pensem em Valentinos Rossis, ou Montoyas! Mas sim em Juans Fangios, Stuarts e Piquets, Giacomos Agostinis ....
...a junção de várias fotos do titular, na guerra do ultramar - um ou outro faz a cedência ao sogro (para agradar à esposa, num dia de trovoada lá em casa), duma esquadria com mini fotos da tropa, à época da 2ª guerra.
O segundo grupo é a garagem dos bandalhos! Têm a mania de guardar tudo "pois pode ser preciso", mas de forma desorganizada. Adoram exibir aos amigos uma bateria velha, e caixinhas compradas no Lidl, com montes de chaves de fenda, que só estão organizadas, porque são muito preguiçosos para começar e especialmente acabar qualquer trabalho. Tem apenas a tendência de começar... tem espírito de iniciativa, portanto!
Na garagem utilizam-se as velhas estantes da casa, para arrumar aquela ferramentagem toda, mas sem critério - tanto se pode encontrar o shampoo dos carros, como o remédio das formigas, o aparador de sebes, o shampoo do cão, a tesoura da poda, uma fechadura velha, a tal camurça, os desperdícios, etc..
Sei que fazem um esforço para se organizar, confirmado pelo número de sábados de tarde, dedicados a essa actividade. Mas é um esforço inglório, pois eles não tem o perfil de organizados, não adianta!
São compulsivamente desorganizados.
Ali também se pode encontrar a banheira do puto, quando ele era bebé, o skate, as bicicletas, as instruções da rega automática e o caixote da árvore de natal. Estes pais são recicladores, seguem muitas vezes a politica dos 3 erres. Vejam como eles aproveitam os frascos das azeitonas e dos pickles, para arrumar parafusos, as latas do Suchard Express para arrumar aquela tralhinha minúscula que poderá dar jeito um dia destes. O micro ondas antigo dá para arrumar mais uns objectos que não se sabe para que servem.
Aquilo já não é um mundo, aquilo é um universo!
As latas de cera de polimento permanecem cheias, reflectindo a sua falta de paciência. Nem o nosso carro lavam, quanto mais!... Mas sempre se distraem no supermercado, na secção dos automóveis, evitando algum afloramento de complexo de culpa, por ignorar quais os produtos, que são necessários comprar semanalmente, lá para casa.
Mas todos eles adoram receber os amigos naquele espaço! E os amigos parecem que gostam também de ser recebidos ali.
É o seu espaço!
Quando eram crianças não trocavam cromos e cartõezinhos do "abafa"? Pois, isto está na continuação! (já sei, o princês dos Açores vai reagir!)
Não lhes peçam para furar paredes para pendurar cortinados ou quadros! Isso retira-lhes toda a motivação centrada na caixa de ferramentas. Pregar quadros à parede, desconcentra-os, desorganiza-os ainda mais, ficam descompensados e por consequência, começam a embirrar com a massa à bolonhesa que carinhosamente preparamos para os putos, perdem os óculos, acusam-nos de lhes ter tirado o jornal do sitio do costume e no extremo, até utilizamos a gillette deles!
Ainda há aqueles que usam revestimento protector do volante em carpélio, denunciando um gosto muito peculiar (não sei a que grupo pertencem, sei que a sobriedade não é o seu forte), e os outros, que compram todos os meses revistas de automóveis para avaliar o seu reduzido parque automóvel.
Também tenho que falar da absoluta necessidade de alguns, de ter uma bússula, um altímetro, um conta voltinhas e um som em quadrifonia que até parece que em vez duns míseros 3 m2, têm a área dum bruto auditório para sonorizar.
A utilização do gps parece-me ser a novidade que todos os grupos curtem. Há uns anos atrás, era o aparelho de via verde. Hoje é o Gps! É vê-los a programar o aparelhinho minúsculo, apenas para ir tomar a bica ao café do outro lado do quarteirão - é pra treinar e para ver se funciona!
Estas garagens de pai , todas funcionam mal!
As primeiras, porque nem todos os trabalhos merecem provocar a alteração da ordem que aí reina, as segundas, porque demora-se mais tempo a procurar as ferramentas do que a realizar o trabalho.Invariavelmente, entro nestes espaços, de mãos atrás das costas e não ouso tocar em nada, aquilo é um santuário e há que respeitar!
Deixo rolar!
Às vezes o Black & Decker aparece avariado ou as chaves de cruz, evapora-se-lhe a cruz... mas isso são outros quinhentos! São pormenores que prefiro nem falar.
Recuo no tempo, quando os automóveis só atingiam os 120 Km/h, e recordo os cãezinhos que se colocavam na bagageira dos carros, e abanicavam a cabeça, as almofadas em crochet no assento traseiro... hoje ainda temos o terço pendurado no espelho retrovisor, a bandeira a cingir o assento do condutor, pelo menos durante os campeonatos de futebol, mais importantes e os conta quilómetros já vão nos 280, apesar que só podermos comprovar até aos 120 - coisas!
Não esquecer a placa com a identificação do proprietário do veículo, com o S. Cristóvão a proteger, por vezes ladeada pela foto da esposa e do filho, se for único.
Falta-me apurar se os metrossexuais, também curtem garagens...
Sei que os membros destes grandes grupos, tem coisas em comum, por exemplo,
todos querem construir um buggy quando se aposentarem,
não entendem porque é muito melhor ir a janela do lado deles aberta,
porque é muito melhor serem eles a abastecer o automóvel,
não entendem porque eles arrumam muito melhor o popó do que nós,mulheres,
não entendem porque não sabemos onde está o triangulo,
não entendem porque nos basta que os carros andem,
não entendem porque de repente começamos a guardar o carro de marcha atrás
e não entendem porque gostamos de ouvir a antena 3!
....mas nós também não lhes vamos explicar!
Bahhhh!
A. Quelhas (Ufff acabei)
editado em www.sanzalangola .com em 21/07/2006

Saturday, October 07, 2006

Casas à pai e decoração à mãe

Logo de manhã ouvi uma das vozes bonitas da antena 3, naquela conversa característica do Nuno Markl, recheada de reflexões originais sobre a vida, que tanto me diverte.
Confirmei, tal como já vinha a desconfiar há algum tempo, que a palavra "cota" ou "kota" começa a entrar em desuso e passa a ser gradualmente substituída por "pai" e "mãe", significando exactamente a mesma coisa.
Assim ele hoje falava sobre a música de pai...(Há vozes escandalosamente bonitas, que deviam ser proibidas de ser ouvidas, pois afasta-nos dos sobressaltos do choque tecnológico, e reduzem drasticamente os índices de produtividade pretendidos, para colocarmos os tugas em 4º lugar em tudo - a chamada voz fantasma é assim, podem crer! Linda de morrer).
Assim a música "de pai", segundo Markl é aquela música, ouvida pelos cotas de mais de 35 anos, e que nem precisam de ser necessariamente pais.
Paradoxo? Talvez não! nomeadamente, segundo ele, Demis Russos e Joe Dassin, na linha da frente, seguidos de Pink Floyd, Dire Straits, Phill Collins, Beatles... e já com os U2 na fila de espera.
Sorri, inevitavelmente!
Eu teria mais alguns para acrescentar... apesar de adorar o "Spring, summer, winter" dos APHRODITE'S CHILD!
Desculpa lá Nuno, mas vou roubar-te o mote e desenvolver essa do "pai" e da "mãe". Vou falar das casas de pai e na decoração à mãe . Não resisto!
Cingir-me-ei a divagar sobre as "casas de pai" - casas mesmo (vivenda, moradia, espaço unifamiliar) - deixando de fora os apartamentos, pois aí quase ninguém escolhe... os cotas limitam-se à oferta do mercado imobiliário.
Aviso desde já que qualquer semelhança com a realidade, não será coincidência... defeito meu, sou mesmo mázinha!
Podemos começar pelas vivendas bem localizadas!
- Situadas em cima das estradas nacionais. Normalmente, traçam-se estradas distantes dos aglomerados urbanos, no entanto, estes rapidamente invadem os limites das estradas.
Quanto mais perto melhor!.. é um amor que vira paixão, e trás como consequência a vontade de estar junto!
Uma pessoa sempre se distrai a ver os carros a passar!
Se possível alpendres bem virados para a entrada, para toda a gente ver os almoços de fim-de-semana, durante o verão, no exterior e com o barbecue mesmo à mão de semear, com o cabeça de casal a mostrar a sua perícia entre entrecostos e entremeadas, e espetadas pré preparadas.
Casa de "pai" já teve pastilha e azulejos pelo exterior, mas agora o que está a dar é muito granito, ou então apenas nas molduras das janelas e portas. No sul molduras em massa webber com cores à escolha do freguês! As portadas exteriores de alumínio verde escuro, normalmente combinam bem com a correntinha do alpendre (já vão cair em cima de mim! Nesta sanza já existe a sociedade protectora das correntinhas) e os efeitos orientais da chaminé.
Afinal sabem como nasceu a correntinha?
Elementar! A correntinha era simplesmente um substituto do tubo de queda, que deveria ser colocado para escoar as águas pluviais.
Para o piso da entrada e arranjos exteriores, não há casa de pai que se preze, que não tenha um revestimento em peças desiguais em granito de várias tonalidades, com efeito "pele de girafa" (denominação exclusivamente minha). Também há outras soluções como lajetas de betão espaçadas pela dimensão de um passo, separadas por relva ou gravilha. Isto faz-me sempre recordar o sr. Hullot, naquele filma de génio "O meu tio".
No jardim sempre fica bem, uma carreta antiga cheia de malmequeres, uns potes de ferro com amores-perfeitos, ou umas floreiras penduradas nos gradeamentos, com muita sardinheira florescente.
Também há o grupo da imitação de poço em granito.Para os mais sensíveis e com influências do sul do equador, temos a buganvília, da família das nyctaginaceae , na entrada, os mais nórdicos, terão o menino a fazer xixi para o laguinho.
A porta de entrada, convém ter uma folha móvel e um painel lateral fixo, que sempre dá outro ser no contacto com quem entra em casa. Grandes vidraças, são coisas só dos filmes e revistas, na casa de pai , toda a janela deverá ter portada ou persiana exterior, pois tem a dupla função de proteger do sol e ainda barrar a intrusão! (esquecem-se que os amigos do alheio entram pela porta da entrada, mesmo, ou vão sacando o pastel com os telefonemas fantasma em telefones granpeados!).
Casa de pai tem obviamente um telhado! Está completamente fora de causa, qualquer tipo de cobertura plana!
Candeeiros algarvios a ladear os portões de entrada... se no sul funcionam bem, porque não no norte?
Nas divisórias interiores, destaque-se o hall da entrada com a respectiva credencia e o espelho de cristal veneziano.
Também é bom ter um escritório em casa, mesmo que não sirva para nada - dá sempre jeito para preencher o IRS.
A sala utiliza-se apenas para receber as visitas e nos dias de festa. Todas tem o mesmo modelito de lareira também em granito. E as espadas penduradas por cima da mesma?
Mas em casa de pai chique fica sempre bem um ripado à francesa pregado no tecto. Tecto de madeira à portuguesa isso não! É piroso! À francesa sim, e como alternativa os pesados caixotões que combinam com os sofás com ramagens em tons de pastel com partes de madeira à vista!.
Depois temos as sucessivas cozinhas que se vão construindo ao longo da vida. Começa-se pela cozinha com muito granito a rematar os balcões e termina-se na cozinha regional localizada no fim do quintal, com muito rústico, muito rústico, onde se projectam fazer grandes cozinhados em forno de lenha e pão à velha maneira. As loiças de Viana a repousar na parte superior dos armários de cozinha, não perdoo!
Casa de pai tem puxadores de porta, dourados em maçanetas redondas ou imitação de cristal - não falha!
E as portas interiores desdobram-se em rectângulos de vidro lapidados (uma trabalheira a limpar!), encimados pelos remates em capela. Os carpinteiros sabem-na toda!
Os wcs são agora renovados, e os velhos azulejos são substituídos por azulejos de grandes dimensões, chamados de rectificados, muito mais caros que um simples mármore ou pedra calcária portuguesa, que os italianos absorvem no seu mercado e exportam como sendo legitimamente italiano. Naaa, bota rectificado daquele que se escolhe no armazém da Lixa, ou nas cidades fronteiriças!
Madeiras, é carvalho francês! Sempre!
Multiplicado em balaústres que acompanham as escadas numa cadência barroca, tal e qual o coro de igreja, que nos enche ou nos satura, só de olhar.
Nada de minimalismos! Que é isso?!
Na decoração à mãe é obrigatório falar nas mesas que brilham com a passagem dum pano embebido em "Pronto", reflectindo cristaleiras recheadas de cristais D'arques e fina cerâmica de Limoge, e ainda pesados reposteiros limitados por largos embrasses , com berloques pendurados que é o último grito das lojas de cortinados.
Na decoração à mãe, quando se muda de casa, os artigos de primeira necessidade são, as cortinas e os tapetes do wc, porque será? Parece que todo o mundo anda nu dos pés á cabeça ao longo do dia! Vem logo de seguida, o espelho armário do wc, o porta rolo do papel de cozinha, e a pequena mesa de camilha circular, que serve de apoio aos retratos da filharada. Retratos ridículos de 1ª comunhão, misturados com fotos de férias na lagoa de Sto André, do casamento do filho mais velho, sabiamente misturados com pequenos arranjos florais secos. Tudo a abarrotar!
O carinho e os laços afectivos também se expressam pela quantidade!
Há decorações de mãe que usam tapetes de Arraiolos no chão (podem vir de Arraiolos City ou de Xangai City, tanto dá!), e restos de artesanato naif que o pai trouxe de Angola ou Moçambique. Na estante figuram algumas enciclopédias estendidas a metro no género, Planeta Agostini e "Riders Digestivo" (gosto destas últimas), entremeada com um livro ou outro do Cousteau, "365 dias na cozinha" e " A saúde ao alcance de todos", num plano mais profundo, deixando livre um primeiro plano com mais molduras com fotos, os trabalhos feitos na escola, oferecidos no dia do pai ou da mãe e os "ricuerdos" das viagens.
Ainda se usa o pano de crochet a acentuar as simetrias dos móveis.
Quando eu era jovem, na decoração à mãe, esses pequenos pedaços de renda, chamavam-se panos de cinco agulhas, que quando lavados, repousavam à goma sobre uma almofada polvilhada de alfinetes, lembram-se?
Nessa época era obrigatorio um conjunto de 5 andorinhas penduradas na entrada, as flores de plástico (duravam muito mais, hoje temos as de borracha), as mobílias Queen Anne e a arca de cânfora.
Ainda os chineses não sonhavam invadir a Europa e muito menos o mundo, e já se vendiam arcas de cânfora para as meninas casadoiras guardarem o seu enxoval - como brinde, recebia-se um roupão chinês, que as nossas mães teimavam em dar uso no nosso corpo de adolescente, e aquelas deusas orientais (deusas da felicidade, talvez), todas com olhinhos puxados e com cara de budas, e que repousavam em cima das ditas cujas arcas.
Em todas as casas havia uma arca destas no corredor ou num canto mal aproveitado - hoje substituída por uma sapateira (estranho móvel, com origens desconhecidas, que dum momento para o outro se converteu em carência efectiva de todos os lares. Naquela época tinhamos a certeza que a arca de canfora vinha mesmo da China ou de HongKong, agora vá-se lá saber de que planeta vem uma sapateira?!).
Ainda navegando no passado, certamente estarão lembrados dos tapetes e artesanato em latão adquirido nas atracagens do Vera Cruz nas Ilhas Canárias, e que depois passavam a habitar nas nossas memórias e nos pesadelos, tal como nas paredes da casa "à mãe" - Caçadas ao tigre em território asiático, suponho, amedrontaram as minhas noites em autênticas sonhadas ao tipo "National Geographic" (por isso hoje sou assim!).
A cadeira de viagem também era uma peça típica. Os pais utilizavam-na para dormir a sesta, sob o olhar cândido dos mais novos, e que na hora menos desejada, perante um movimento mais brusco, se desarmava, presenteando o utente com as costas no chão, e provocando a gargalhada fácil das crianças.
No meu mundo de kandengue, descobri uma peça com o som de "COURRRPIÊ" que a minha infantilidade não conseguia descodificar a sua função, e que dava uma trabalheira a pronunciar, pois o erre gutural, era estranho no meu linguajar limitado; fui descobrindo a sua existência na casa de todas as minhas tias.
Enigmático acessório!
Nada mais que uma peça dupla de veludo, dupla também nas cores, do tipo duas faces, que permanecia no fundo da cama depois de feita, simplesmente dobrada ou disposta por forma a configurar um efeito estético, que a bem dizer encaixava nos anos 50.
Esta cena do "COURRRPIÊ ", já quase deu origem a uma tese de doutoramento e muita conversa vadia, a altas horas da noite!
Qual não foi a minha surpresa, há uns tempos atrás, quando deambulava por uma das muitas lojas do conhecidérrimo "Gato Preto" (loja que esta a dar vida às futuras casas de pai e decoração de mãe), me deparo com a publicidade de um tal COUVREPIEDS , por 240 euros - bommmm, foi uma hecatombe cerebral, um dilúvio de memórias, que esse "cobre pés" me presenteou 4 décadas depois (isto fica para outras estórias).
Constatei que já não se vende Couvrepieds com elefantes e tigres, em tons de azul, marron ou carmim, mas sim adaptados aos novos padrões de design francês e italiano, muita imitação de pele - muita parra e pouca uva!!!
Na minha casa à mãe não falharam também os recipientes em plástico, ainda não havia os conhecidos tapperwares, mas as fruteiras de plástico duro, fruta cores, iam substituindo os centros de mesa em espelho, com fruteiras de aplicação de prata sobre vidro.
A loiça das caldas era outra variante, aqui na metrópole, algumas perfeitamente brejeiras, adornavam o cima dos frigoríficos, que naquela época conviviam pacificamente na sala de jantar.
Curiosamente as máquinas de lavar roupa também viviam no wc, entre o bidé e a sanita (sempre dava para pousar o livro do tio patinhas).
Nos quartos, o famoso psychê (eu e o Herman ainda não descobrimos o significado exacto desta palavra, faz-me lembrar sempre um filme de Hitchcock) abrigava os frascos de perfume, com bomba de spray, tipo artista de cinema!
Nalgumas casas, aqui na tuga, também não falhava a boneca sevilhana e a ceia de Cristo, que conviviam de forma admirável (outro filme!).
E o termómetro unido ao higrómetro na parede do fundo do corredor?
Duma forma geral tudo quanto era pechisbeque, tinha lugar na decoração à mãe. Era LINDO!
Já me esquecia das pegas de crochet colorido que jaziam penduradas nas paredes da cozinha, e ai de quem as utilizásse!
Hoje ainda temos a televisão na cozinha, a mania de alguns, sobre colecções Phillay, a mania de outros por coisas antigas... sei lá!!!
E aqueles que metem plantas em todos os cantos e recantos!
Assim temos uma caixa velha, com uma planta em cima, a masseira do pão, toda bichada que mal deixa dormir a gente de noite, com o barulho da bicharada a roer, bem encerada com outra planta em cima e ostentada no lugar nobre da casa, a borracheira a um canto, o bidé da avó transformado em floreira, o relógio de pé encimado por outro ser do mundo vegetal, a cama de ferro feita para a geração de 1,50m de altura, com a planta do maracujá a trepar por ela fora... ...e a onda dos ferros de engomar, convertidos em jarras de flores secas?
Bem essa não lembra ao diabo!
Kitch puro e duro!...
...e os pratos e travessas que se multiplicam pelas paredes e que os vendedores de velharias, tem um stock inesgotável?!...
Adoro o orgulho em exibir o candeeiro sensual Lalique! Original? Qual quê! Daqueles que existem ás paletes nos mercados de Paris. Fica sempre bem em cima de uma máquina de costura velha. Ainda não percebi a funcionalidade deste objecto (coser sacos do supermercado?).. deve esconder encantos por mim inimagináveis!
... depois temos aqueles pais que não passam sem um bar!!! De preferência grande móvel, mas amovível, pois quando se trocar de casa, o bar vai atrás! Mas tem q ter focos embutidos, e sítio para muita garrafa.
Nem todas as casas suportam gigantones destes, e assim na verdadeira decoração à "mãe ", um tabuleiro com as famosas garrafas de cristal para whisky, os decantadores para o vinho do porto, e os copos cheios de pó, enquadrados por paninho bordado à mão, substitui perfeitamente, a mania das grandezas do grande bar e dá um toque de Suelly versão Dallas.- Afinal o teu pai já nem pode beber, os amigos também não... se conduzir não beba, e as tensões elevadas não se compadecem com o álcool. É só mesmo para no caso de oferecer a alguém que ainda queira, e sempre fica bem na mesa entre os sofás. Temos que saber receber!
Não esquecer as plaquinhas em imitação de estanho e prata, penduradas no pescoço das garrafas. Não vá um cristão servir-se de licor, e sair-lhe álcool canforado, vinagre de sidra ou mesmo óleo dos travões!!!!!
E a cena da colcha de renda? Que chatice, agora com os edredons, as colchas de renda não assentam nada bem.
Claro que na decoração à mãe , as alturas das camas vão subindo consoante a idade dos cotas - pura ergonomia que se compadece com a dor nas cruzes!
A mania que são altos também se reflecte no habitat - os quadros estão colocados muito acima do nível dos olhos! Por um lado até é bom, pois o mau gosto fica mais distanciado do olhar, o que acaba por nos poupar o coração e o estómago.
Vá lá para não ser mazinha de todo, os quadrinhos a ponto de cruz, ainda vá que não vá! Ou então... os quadros tecidos com linhas de várias cores que unem dezenas de preguinhos perfilados, que as mães fizeram nas aulas de lavores...
Chega agora a onda dos sommiers e das romanettes (isto faz-me lembrar as ginastas da ex URSS!) Ufff!
Adoro senhorinhas ou cadeiras de verga tipo Emanuelle!
As cadeiras Emanuelle são muito adaptadas aos climas frios, por isso Sylvia Kristel, as usava num desvario de erotismo!
As mantas de cores made in china têm contribuído para melhoria visual das salas e dos sofás. Poupam os couros e os tecidos, no roçar das traseiras à assistir às telenovelas, mas isso acaba até por ser acessório, o que interessa mesmo é não olhar diariamente os sofás que enchem o ego aos cotas.
Uma das coisas que mais irrita na casa à pai são as luzes fluorescentes, orientadas e aplicadas pelo espírito economicista.
Come-se na cozinha como se estivessemos no talho, rodeados de luz fria para ver melhor!
No wc também dá jeito, assim como na lavandaria, e agora sempre que se pode, até as luzes dos candeeiros de mesa, são substituídas pelas tais lâmpadas económicas que os homens adoram no tom frio,... sensíveis, eles! "Luz quente é pra maricas!" (catedráticos em luz e em psicologia da cor!, iluminados diria eu!).
Salas de cores frias e quartos de tonalidades quentes jogam bem de norte a sul.
Que mais me irá acontecer?!!...linda de morrer! De ir ao céu e voltar! LOLOLO A geração que vem logo a seguir, terá uma casa de pai , da linha de montagem IKEA, com alguns pormenores da Zara Casa e da ex Habitat, com um pouco de sorte todos os bonequinhos de íman que são atraídos pela porta do frigorífico, permanecerão intocáveis.
Não me custa nada imaginar lares inspirados no "Querido mudei a casa" com camas cheias de dosséis à marroquino ou então tipo "Mi casa e su casa" ou pior ainda "Enquanto não chegas...". Este ultimo vence todas com o gosto muito característico dos States.
E então e a minha casa, perguntarão?
Meus amigos, é um lar modesto feito de excedentes e desperdícios desta sociedade de consumo! Um desastre!Ia escrever uma casa à Tarzan, mas esta da sociedade de consumo saiu incomparavelmente melhor!
Na entrada, tenho dois azulejos com as inscrições "Lar doce lar" e "Entra se vieres por bem!" e por baixo, dois dálmatas em loiça e à escala natural.
Tenho candeeiro de penduricalhos, colchas de renda e mobílias de "istilo"- afinal eu sou uma comum mortal, e não há mulheres perfeitas e homens, ainda menos! Até tenho casota do cão e um cacto ranhoso em cima da máquina de lavar! Tenho sim!
Editado em www.sanzalangola.com em 19/07/2006

Wednesday, October 04, 2006

Reininho, concerto Junho



Efectivamente

O concerto foi um crescendo de emoção.
Junto a mim, a maioria eram cotas, alguns já carecas, outros com uns quilitos a mais.
Todos sabíamos as letras de cor e salteado.
Adoro as pulgas dos cães
Todos os bichos do mato
Efectivamente...
Reininho continua com o seu andar ondulante, como quem anda constantemente numa passarela, ainda mantém essa postura teatral, desde há 30 anos. Não perdeu o tique - mistura de Bowie e dele mesmo. Sublime como sempre! Está no seu melhor!
Já não dá, ja não dei
Já nem sei em quem votei
Já não há, ja não sei
Já nem dou com o D'J
Desfilava pela D. João IV todo vestido de branco, assombrosamente alto, leve, preparado já para os projectos que o aguardavam no futuro. O cimbalino no S. Lázaro...
Recordo o primeiro grande concerto na cidade do Porto.
Como tudo tinha a ver com esta cidade!
Terminámos nas francesinhas da Galiza, até às tantas.
Deitados nas dunas,
alheios a tudo
Olhos penetrantes
Pensamentos lavados
Hoje vestia calças e blazer pretos, e t-shirt vermelha - a lua e a estrela no meio do vermelho. No problems!
Evita o olhar dos mortais que o rodeiam
Esconde-se em mentiras que mesquinhas serpenteiam
Um conceituado profissional da imagem da nossa praça, angolano também, e nessa época ainda um "puto" (oi Paulo C.), foi aconselhado por mim para fotografar Reininho, um ilustre quase desconhecido... e a recomendação para nunca o perder de vista!
- Mas quem é Reininho?
- É o vocalista, o mais alto, tem voz aguda, irónica e em falsete, mas muito bela, canta em tons de azul, como a nossa cidade - respondi.
Não tenho barqueiro
nem hei-de remar
Procuro caminhos novos para andar
E há um prenúncio de morte
Ambos ainda desconhecidos neste país rectangular, ainda sem explorar todas as suas capacidades inatas. Apostamos um jantar, por cada década de sucesso. Adivinhava como inevitável, que o Rui seria uma referência no rock português, dali a uns anos...
Eu quero que você me aqueça neste Inverno,
E que tudo o mais vá pró inferno (original de Roberto Carlos - Rui não sofre de infernofobia)
Já me deves 2 jantares, quase 3, acertamos contas um dia destes - ou Bolsa, ou Pedreiros, escolho eu. Não costumo errar quando dou uma de Pitonísia LOLOLOLO.
As asas servem para voar
Para sonhar ou para planar
Bommmmmm, as películas estrearam-se no tal primeiro grande concerto, e sucederam-se, repetiram-se, multiplicaram-se e evoluíram.
Psicadélico civilizado ele encontrou um rocker cru
Falaram c/punk importado e tentaram criar um blue
Deixamos de tomar cimbalinos no S. Lázaro, passamos a ter compromissos sérios, falta de tempo, a jantar com a família, a ver televisão e a ouvir cds, posteriormente, a conversar ciberneticamente.
Ana lee, ana lee
meu lótus azul,
ópio do povo,
jaguar perfumado,
tigre de papel
O cabelo de Reininho embranqueceu, o nosso também... a voz sempre bela, inconfundível perfeita na comunicação de palavras desalinhadas e irreverentes, continuam a revelar a anarquia do autor, traçada com régua e esquadro nas nossas memórias.
Não economizamos as palmas, nem os encores!
Faz sentido viver!
Osíris
editado em www.sanzalangola.com em 8/07/2006

Monday, October 02, 2006

peter finger


Vi e ouvi o alemão Peter Finger numa noite destas... ficava toda a noite a ouvi-lo. Quem se interessa por guitarra acústica, sabe de quem estou a falar! Tive o privilégio de ficar apenas a 3 metros dele e da sua guitarra.
Fotografei-o constantemente, através do olhar e da câmara fotográfica, querendo registar os sons incalculavelmente belos, através da posição dos dedos sobre a guitarra, através do semicerrar dos seus olhos, através do pé esquerdo que não parou de marcar o ritmo constante de cada peça. O meu mundo ficou mais bonito, naquela noite, ao escutar este virtuosi !
Abriram-se janelas desdobradas em sons melódicos, oferecidos generosamente, apenas para umas dezenas de pessoas, num ambiente intimista, num pequeno auditório com uma acústica perfeita, de uma escola de música.
Estavam poucas pessoas, mas penso que ele não se incomodou nada por isso, deu para falar de cada musica que tocava... e trocar umas palavras, com os que estavam mais próximos.
Registei sons singulares na minha memória, que não imaginava que pudessem ser construídos sem a ajuda dos truques digitais. Lamento não escrever bem, e não conseguir traduzir toda a expressividade sonora que invadiu aquele auditório; a sua musica, ou o seu jeito de brincar com a guitarra, traduz um equilíbrio entre o pensamento e as emoções, num registo pleno de sensualidade, envolvente, único, que transportou a mente de cada um, para a dimensão do imaginário, sem limites.
A sua técnica em fazer vibrar as cordas, por forma atingir deformações sonoras, arrastadas, ou pelo contrário, extremamente rápidas, constrói volúpias musicais que são, o prolongamento do seu corpo. Impossível traduzir isto por palavras. Dizem os entendidos que a sua posição na guitarra é diferente e invulgar.
Peter que já percorreu os palcos do mundo, através das sonoridades dos blues, jazz e worldmusic, estava a li a tocar só para nós!!! Um presente de uma noite de verão!
A Jimi Hendrix, Carlos Santana, Eric Clapton, B. B. King, Zappa e Pete Towshend, adicionei Peter Finger!
Osíris
editado em www.sanzalangola.com em 3/07/2006