Texto publicado em www.sanzalangola.com depois de muita perturbação causada durante uma semana pelas minhas intervenções.
Quis tomar o pulso da sanzala, com este fio infernal, certamente desconfortável e polémico... mas que tem tudo a ver connosco, diz-nos respeito!
Cumpri esse propósito e como era minha intenção, não o vou prolongar no tempo.
Alguns sanzaleiros ficaram chocados e impressionados, tal como eu, quando li de forma ininterrupta o trabalho de investigação de Ana Barradas, editado em 1995; não por desconhecimento da maioria dos factos, mas pela forma como efectuei a leitura.
Arriscaria a dizer que o tema foi apresentado pela investigadora, de forma até ligeiríssima, no entanto, talvez porque nos é dado ler, estratos de documentos, "a seco", sem explicações pelo meio, sem contextualizar rigorosamente os assuntos, sem pausas, numa cadência cronológica vertiginosa, começando no século XV e terminando no séc. XX, sensibiliza-nos profundamente, dá-nos um abanão e choca-nos!
Quem conhecer minimamente a nossa história, integra perfeitamente estes relatos na época própria, dispensando-se quaisquer outros comentários.
A sucessão rápida de registos curtos, despidos de qualquer roupagem atenuante, referida sistematicamente a fonte, em roda-pé,... que nós conseguimos abarcar na totalidade, em poucas horas de horas de leitura, reforça a crueldade dos temas - escravatura, racismo, colonização, trabalho forçado, subversão de valores, massacres, comércio negreiro, opressão, violência...- foi esse ritmo e essa cadência silenciosa que eu quis partilhar convosco, e claro observar as reacções de cada um, adivinhando algum confrangimento por que passaram, tentando compreender os vossos argumentos, interligando e fazendo comparações com outros relatos e com outros discursos!
Não me atreveria a abrir este fio, se não estivesse devidamente documentada. O livro de Ana Barradas fornece dados capazes de formar uma listagem de documentos que poderão ser consultados sobre este assunto, e o curioso é que a maioria dos documentos são da autoria de figuras ilustres, e alguns responsáveis pelo Império Colonial Português.
Aqui não se inventa nada! (*Ver no final, alguns)
O fio foi aberto num domingo às 23,49 (3/09/2006).
No dia seguinte após dez horas, já mais de 100 sanzaleiros o tinham visitado. Ao fim de uma semana, o fio já estava bastante deturpado, pois alguns membros repetem aquele espectáculo triste que nos vão habituando a ler.
No meu texto de abertura, fui clara, dizendo que não iria dialogar com ninguém, mas não me livrei de ser gentilmente apelidada de demagoga, prepotente e cobarde (perfeitamente previsível), atreveram-se até a pensar por mim e deduzir quais seriam as minhas intenções... tudo isto por usufruir respeitosamente de um direito que me assiste - só dialogar quando quero e sempre respeitando os outros.
A maioria dos sanzaleiros compreendeu a minha atitude silenciosa e respeitou-a. Alguns que me conhecem, facilmente perceberam que dentro do meu silêncio eu estaria atentíssima a reflectir sobre tudo.
Em off, iam-me chegando mensagens do tipo "Onde tu te foste meter!!!!", "Cada vez deitas mais lenha para a fogueira", "Esse fio não dura uma semana", "És doida!... SÒ TU!", "Onde é que isto vai parar? Depois queixa-te!".
Limitei-me ao meu papel de receptora, criando-me um sorriso nos lábios, a preocupação destes amigos.
Alguns, revelaram uma certa falta de paciência, pelo enfoque dado por mim a este tema, como se inoportuno se tratasse, exagerado, desenquadrado, desactualizado ou de 2ª grandeza. Outros tentaram justificar a crueldade com outras crueldades, a violência com outras violências, os erros de uns com os erros dos outros, como se o mal dos outros devesse ser o meu contentamento, manifestando subtilmente alguma irritação crescente, completamente descabida. Complacência, condescendência...em me ler, enfim... para mim nunca é demais falar/escrever sobre Direitos Humanos e denunciar atrocidades!
Não estará na hora de desmistificar a nossa história europeia feita de, conquistadores, navegadores, exploradores, missionários, aventureiros que nos enchem de orgulho, de tão exaltados que são?
Afinal de que é feito o perfil dos nossos heróis? Este foi um assunto proibido ao longo do tempo, e ainda hoje, nas nossas escolas, este lado tenebroso da história é poucas vezes denunciado, sendo frequentemente camuflado e esquecido; no entanto nós, mulheres e homens adultos, do alto da sabedoria que a maturidade nos confere, não seremos capazes de reconhecer as fragilidades do nosso passado?Nós, os descendestes de portugueses, não estamos sozinhos! Quantos arquivos fechados e de acesso interdito, existem, por essa Europa fora? Arquivos feitos da nossa história sombria! Londres, Vaticano, Viena, Paris, Berlim...
Tive que ignorar ironias infelizes, tratamentos despropositada e exageradamente "familiares", como "camarada", editadas sobre este assunto de importância maior, que ilustram bem o grau de tolerância e respeito que aqui vigora.
O feed back que me chegou através de canais de comunicação alternativos, foi francamente mais positivo. Mais uma vez se constata que há gente muito interessante e de muito valor a circular por aqui, mesmo que divergindo de mim, porém não pretende expor-se a diálogos, que por vezes desaguam no desrespeito e na agressividade, atrever-me-ia a chamar-lhes, diálogos makeiros , tão frequentes aqui nesta nossa sanzala. Todos souberam respeitar-me e certamente reflectiram sobre a violência de que a nossa civilização tem sido fabricada.
Constatei que alguns angolanos desconheciam estes documentos, ignorando o lado menos bom da nossa herança cultural, apesar de possuírem sinais de suspeição da dita.
Dizem que "da discussão nasce a luz", e alguns acrescentam, "... e a pancadaria". Aqui nesta nossa sanzala, nasce mais pancadaria virtual do que luz. É muito cómodo alimentar guerrinhas, confortavelmente sentado ao PC, jogar com as palavras, presumir, montar estratégicas do contraditório, investir na retórica de nível duvidoso, na agressão gratuita, alimentar o ego com as contradições dos outros, enfim ... libertar o stress desta nossa vida cinzenta... Há quem goste duma makinha e aproveite todos os temas para atirar com as munições sobrantes de makinhas vindas não sei de onde! Assim não há diálogo que resista, provavelmente é isso que se pretende.
Não lamento o facto de não me ter envolvido directamente no bate boca!!! Tinha que assumir uma postura silenciosa, para que o fio sobrevivesse alguns dias, pois simplesmente ler, acabou por ser uma acção difícil.
Verifico, que estes temas ainda incomodam, fazendo perder as estribeiras a alguns sanzaleiros (vá-se lá saber porque!!!??), preferindo outros, ignorá-los, maldizendo quem insiste em recordar o sofrimento de tantos seres humanos. Quero crer que serão uma minoria nesta sanzala.
Referi no meu "aviso prévio" que não tinha como objectivo "a penitência", preocupando-me em utilizar a 1ª pessoa do plural, para evitar que ocorressem interpretações de que eu não me incluiria no grande grupo de herdeiros. Nunca pretendi atingir ninguém, limitei-me a transcrever relatos de uma realidade que eu não inventei, mas de difícil digestão para todos.
Esta temática deverá unir os homens e nunca dividi-los!
Conclusões (as minhas, óbvio ):
- As pessoas manifestaram interesse pelo tema: em dez dias o fio teve perto de 2440 visitas
- O tema incomóda de facto!.
- A maioria não pretende expor-se a este género de diálogo, recorrendo com frequência a canais de comunicação alternativos.
- Não houve um único membro que se assumisse a favor da escravatura e da exploração colonial - afinal o tema une? (nem sei para que é tanta maka!).
- Algumas pessoas jogam constantemente à defesa, preocupadas apenas em defender o seu ponto de vista, que invariavelmente desagua no processo de descolonização.
- Há quem tenha dificuldade em se abstrair da sua história pessoal, para melhor analisar alguns temas, de forma imparcial e racional - o coração a tentar dominar a razão.
- Há um grande desconhecimento da nossa história.
- Alguns ainda não perceberam que nesta sanzala, cada membro tem a liberdade de escolher os temas para os seus fios.
- Alguns insistem em utilizar a ironia, de forma saudável e agradável, outros de profundo mau gosto, tangenciam a cretinice.
- Os moderadores não têm que ser totós, devem ter opinião própria, mas os seus comentários públicos devem ser racionais, inteligentes, contidos, por forma a evitar que, as posições dos membros intervenientes se extremem. Afinal os moderadores deverão servir para moderar.
- Alguns membros têm o especial prazer de abandalhar os fios por onde passam utilizando a técnica do achincalhamento gratuíto e dos subentendidos.
- Alguns entram nos fios como se entrassem no campo de batalha. Esgrimem ódiozinhos antigos e alimentam-nos.
- Outros estão mais na linha da "Paz e amor" ou "Não se fala porque é pecado", não suportando as divergências saudáveis entre sanzaleiros.
- Alguns não sobrevivem sem as citações, utilizando-as para reforçar e acentuar as divergências.
- Uns desvalorizam os adversários, outros sobrevalorizam-os...
- Alguns esquecem-se que certas "familiaridades" só são permitidas entre sanzaleiros que se conhecem na vida real.
- Alguns esquecem-se que, editar a cor vermelha é ofensivo.
- Alguns chamam-lhe luto, eu chamo-lhe reflexão (prática que tento desenvolver em continuidade).
- Alguns desconhecem que as bibliotecas públicas, são mesmo públicas, e a informação está lá disponível para todos, actualizada ou não, mas fidedigna.
- Alguns desconhecem a verdade histórica, não a querem conhecer, e nem querem que os outros a conheçam ou divulguem.
- Há uns que são tolerantes, há outros que se "xateiam à brava"; há aqueles que não resistem a uma provocação. Há os teimosos e os bem-humorados.
- Ao fim de 10 dias de "inferno", este fio está com tendência a transformar-se em arena romana.
- Consegui por a sanzala a reflectir!...
- Há um membro, que insiste naquela foto no avatar (LOLOL).
E ASSIM VAI A NOSSA SANZALA!
Obrigada a todos, pelo vosso interesse e paciência. Um agradecimento especial, àqueles que incluíram neste fio, outras escravaturas, outras violências e outros colonialismos, que nos estão mais próximos no tempo, pois todos devem ser divulgadas e ser motivo de reflexão. Até os esclarecimentos antropológicos levei em consideração; gostei de saber do Ardipithecus ramidus - serei sempre solidária com os mais fracos e oprimidos, caminhem ou não sobre duas pernas. Gostei de vos ler, a todos! Termino com uma pequena parte da introdução do trabalho referido anteriormente:
"Afirmam alguns: aquilo que hoje nos horroriza eram coisas normais naquele tempo, e a essa luz devem ser analisadas. Seria pois descabido olhar com os olhos de hoje esses fenómenos, acontecidos num mundo bem mais selvagem do que o de hoje.
É um ponto de vista tranquilizador para os descendentes dos que iniciaram no séc. XVI o inferno colonialista. Mas e os outros? Seria assim natural para o escravo ser arrebatado da sua terra e levado para outro mundo completamente desconhecido, para servir e sofrer até ao fim da vida? Seria muito natural estarem, países, cidades, campos e regiões sem defesa, ou em inferioridade bélica, e serem subjugados a ferro e fogo, obrigados a produzir para um inimigo inclemente, se por acaso escapassem ao genocídio? Como contaríamos hoje a história desses tempos se tivessem sido as nossas cidades pilhadas e os nossos avós levados como escravos para o outro lado do mundo?" Ministros da Noite, Livro Negro da expansão portuguesa.
Nada justifica a violência muito menos a barbárie! (Creio que estaremos todos de acordo! Será?)
Sr. Administrador, ponho à sua consideração o encerramento deste fio, pois quanto a mim já se cumpriu no tempo devido, valeu como um despertar das consciências. Talvez valha a pena reabri-lo mais tarde, quando os ânimos estiverem mais calmos.
Sempre a considerar-vos.
Anabela Quelhas (Osíris)
Listagem de alguns autores dos documentos:
" D. Francisco de Almeida" - Vice-Rei da Índia
"Gomes Eanes de Zurara" - cronista do reino
"D Francisco de Sousa Coutinho" - Governador de Angola
"João Álvares" - Jesuíta
" Henrique Paiva Couceiro" - Governador de Angola
"Gaspar Correia" - cronista
" Fernando de Oliveira" - Padre
" Duarte Pacheco Pereira" - navegador
" Diogo do Couto" - historiador
" Duarte Barbosa" - escritor
" Manuel da Nóbrega"- padre
" Padre António Vieira" - missionário
" António de Melo e Castro "- Vice-Rei da Índia
" D. Pedro de Almeida" - Vice-Rei da India
" Mouzinho de Albuquerque "- Militar em Chaimite
" Armindo Monteiro" - Ministro das Colónias
" José Cabral" - Governador de Angola
" Barjona de Freitas" - Governador de Cabo Verde
" Augusto Casimiro" - Governador do Congo Português
" Oliveira Martins - historiador
" Franco Nogueira" - ministro do Estado Novo
" Norton de Matos" - Governador de Angola
" M. Tenreiro Carneiro" - Vereador da Câmara de Moçamedes
" Sebastião Soares de Resende" - Bispo da Beira
" General Carrasco "- comandante chefe do exercito português em Moçambique
" Alves Roçadas "- general
" Kaulza de Arriaga" - general
" António de Spínola" - general do exército português
" Marcelo Caetano" - Ministro do Conselho
" Adriano Moreira" - Ministro do Ultramar
" Oliveira Salazar" - Ministro do Conselho